domingo, 18 de março de 2012

Histórias de cinema (outras mais...)


... E sigo meus rituais sagrados de fins de semana: o cineminha. Já notei que é quase uma forma de se transportar para outro mundo, tempo e espaço,  onde não sou responsável por mim mesma, pela realidade que se coloca, pelo enredo em questão. Papo estranho. Mas deve haver algo de verdade nisso.

Acabava de começar o iraniano “A separação”, e eu também carregava ingresso para sessão seguinte, com “O Artista”. O primeiro filme começa com algumas limitações técnicas e as luzes reacendem. “Oi... quer uma bala? Toma aqui...”, me diz a senhora que estava ao meu lado. E aí ela procurou uma balinha e não achou balinha nenhuma. “Poxa, era uma balinha de leite, tão gostosa...”. Alguém ficou no vácuo e eu não sabia se era eu ou ela. “Ah, não! Agora eu quero...!”, eu disse pra fazer brincadeira.

Ela estava acompanhada de mais um casal de senhores, e eu não faço a menor ideia de quantos anos eles tinham, mas, facilmente, ultrapassavam da idade dos meus avôs. Ela disse que havia comentado o fato de eu estar sozinha. “É, eu venho todos os finais de semana”, afirmei. A senhora, então, começou a lamentar e dizer que também deveria aprender a ser assim, e contou que estava com o pai e a namorada – sim, a namorada do pai. “Minha mãe morreu, então eu estava morando com meu pai. Mas aí, ele arrumou uma namorada e foi morar com ela. E eles já estão juntos há um ano e meio. Eu casei, mas separei e não tive filhos. Até hoje não consegui aprender a sair sozinha”, me explicou.

Eu engasguei no meu próprio silêncio avistando esse abismo de três lados: um, a prova de que é impossível e desnecessário ser só; outro, a tentativa lamentável de aprender a ser sozinha; e, ainda, eu, que nem sei o que sei e o que sou.


Mesmo assim me dispus a ouvir algumas histórias (o filme recomeçou, parou mais uma vez e eu devolvi o ingresso da sessão seguinte): ela se formou em artes visuais e era aposentada. Viajou meio mundo – inclusive, conhece o Rio Branco e Cobija. Me arrumou uma bala de menta. As luzes se apagaram e o filme começou. Era sobre uma tentativa de separação. Era, acima de tudo, sobre medo e culpa.

-x-

Dizem que a psicanálise ensina a enfrentar um sintoma a partir da sua nomeação, a fim de reconhecê-lo e singularizá-lo. Por isso, querer viver algo que cujo nome amedronta e faz fugir de medo, pode ser um suicídio dos piores, lento e massacrante. Às vezes tentamos explicar e entender situações mensurando erros, ligações perdidas, mensagens que não chegam. Mas silêncio não tem tamanho, ou parcelas e prestações, assim como dor e sentimento.

Escolhi uma música, mas o disco rolou inteiro. Lado A, Lado B. Ambos rodaram. Rodaram. E nós rodamos juntos. E eu rodei também. As palavras da tontura, meio bambas, meio tropeçadas, podem apresentar a seguir esperança ou desespero. É claro que escolhemos a esperança. É claro que fomos escolhidos pelo desespero. 

Penso que se eu fugi do mundo, é com a certeza de que ele fugiu de mim primeiro. Cada vício é uma extensão do próprio corpo. Meio só, meio sem ninguém. Como conhecer os rastros do rosto, do corpo, da dicção tropeçada, parecida com soluço. Quem foi que disse que manter-se forte é ignorar o que se sente? Quem mesmo disse que fazer uma escolha é, exatamente, escolher. Escrever para um blog até traz a sensação de conversar com outro alguém, nem que seja comigo mesma, meio invisível e, por isso mesmo, no risco do indizível.
O mundo conectado. Aqui e agora e em qualquer lugar num presente contínuo. Desvendados os maiores segredos dos tão longínquos confins desse universo. Mas o homem continua essa coisa tosca e frágil.
*Fotos de cenas do filme "A separação"

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

[de] Matos


Logo à frente, na segunda fileira, estava eu, diante da grande tela e um saco médio de pipoca salgada e doce [sim, sou geminiana e filha do meu pai: na dúvida, vai as duas!]. E, na companhia da minha própria pessoa, fiquei pensando a respeito do nome do pipoqueiro. E logo me vi tateando sobre uma possível crônica falando daquele pipoqueiro com nome de poeta, que havia me entregue um panfleto de seu show intitulado Amores, numa quarta-feira próxima. “Mas se você estará lá, quem estará aqui fazendo pipoca?” – Pensei, mas não perguntei. Desde que cheguei em BH, talvez eu tenha ido mais àquele cinema do que às aulas do curso que vim fazer. E é sempre ele, o mesmo pipoqueiro, quem está lá no meio daquele cheiro de pipoca, entre aquela fila de gente meio chata, meio só, meio eu. Sei que tem gente que não suporta barulhinho de degustação nas salas. Eu não me importo nenhum pouco. Adoro pipoca. Adoro cinema. Adoro comer pipoca no cinema.

E começou a história sobre a “Dama de Ferro”. “Um pipoqueiro consegue ser músico, e eu não. Talvez eu não tenha mesmo nascido artista”. – Eu pensava. Mas gosto de lembrar que, além de ser geminiana, nasci com o Sol e a Lua na casa de gêmeos, ou seja: sou triplamente geminiana, triplamente enjoável, triplamente instável, triplamente duas-caras. E a Lua, meu caro, era Lua Nova. Eu via o filme e pensava na crônica. Pensava no pipoqueiro-músico-de-nome-de-poeta. Comia pipoca. Ouvia comentários sobre a revolução argentina atrás de mim. Reparava no sujeito estranho logo à frente. E admirava os vestidos azuis da Dama de Ferro. Pensava nos amores. Queria que o filme acabasse. Queria estar em casa. Queria nunca ter estado ali.

As luzes se acenderam e busquei dentro da bolsa o panfleto do show para conferir o nome do pipoqueiro. Não era Melo, era Matos. Thiago de Matos. O esboço de texto na minha cabeça já não fazia o menor sentido. Eu poderia esquecer. Eu poderia mentir. Eu poderia, simplesmente, inventar histórias. Quem sabe, uma ficção. Mas não. Optei pelo desgosto. Quando saí, fingi que não o vi. A pipoca nem estava muito boa, afinal. Ele não tem a menor culpa de ter nascido pipoqueiro-músico-sem-nome-de-poeta. Mas eu queria odiá-lo mesmo assim. Quando me perco por aí, fico bem estressada com a pessoa com quem devo encontrar, mesmo ela não tendo a menor culpa pelo fato de eu ter tomado o caminho errado. Mas fico e não tenho o menor controle sobre isso. Foi o que aconteceu. É uma questão de expectativa. De ansiedade. De fantasia. Todas rompidas pelos apuros da realidade.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

De cor(es)



Do latim de + cordis (do coração – a sede do conhecimento no corpo humano); “saber pelo coração”. 

Lugar
Do Latim locus, “lugar”, derivado do Latim Arcaico stlocus, mais tarde locus, que vem do Indo-Europeu sthel-, “colocar, fazer ficar”.

*Derivados: não-lugar; entre-lugar; lugar comum.
em primeiro lugar: antes de tudo, antes de mais nada.

>> Ponha-se no seu lugar; Se coloque no meu lugar;
>> + "Vida" e "Outro".
(Lugar, a vida'doutro; d'outra vida; além)

Adendo # Representação # algo que você coloca no lugar de.
Portanto: 
>> O lugar que ocupa / O que representa.

Relacionado # Labirinto # Latim, LABYRINTHUS, Grego, LABYRINTHOS, “edifício com passagens confusas, complicadas”.

Outro
Do Latim, ALTER, “outro”

det. e pron. indef.
1. Não este. 2. Diferente. 3. Mais um. 4. Seguinte. 5. Precedente. 6. Restante.

>> Também derivou: “Alteridade”’; “Alter ego” (outro eu).

outros
pron. indef. m. pl.
7. Os alheios.

Versão mais que definida.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Onde está Wally? [dã]


Quando vi essa foto, na página do Galpão Cine Horto, no Facebook, logo me fiz essa pergunta idiota referente àquela série de livros ilustrados de autoria britânica (se não conhece ou lembra, veja aqui). Chega até a ser engraçado lembrar que isso me era um passatempo gostoso, embora bem bobo, lá na casa da minha tia, onde tive a oportunidade, também, de ler gibis da turma da Mônica. E faço essa brincadeira silenciosa toda vez em que avisto uma foto de várias pessoas e sei que estou em algum lugar ali.

A foto, bem emblemática para o momento, é de uma atividade do Galpão Cine Horto, chamada “Sabadão 2012”. Nesta edição, além de conferir um ensaio aberto do espetáculo “Quintal”, o público também conferiu uma conversa com Gero Camilo, que prestou uma consultoria aos atores da Cia Casca.
 
Gero falou, entre outras coisas, da ligação entre corpo e voz numa encenação. No espetáculo em que dois adultos interpretam crianças, ele alertou para a “reação”, uma das grandes características do comportamento infantil: a resposta com o corpo. O silêncio, ele disse, é dramaturgia do adulto.

Lembrei disso e relacionei com o livro que comecei a ler “A cultura da participação” (este da imagem ao lado), em que o autor conta alguns dos casos em que governos tentam tratar conseqüências/efeitos/reações nas cidades, em vez dos problemas reais e, por isso, eles nunca são resolvidos. Tipo aquele médico que, depois de eu contar uma longa história que incluiu dores intensas de cabeça, desmaio e milhares de espirros, ele apenas me perguntou: o que você está sentindo agora?

Mas o livro também tem me feito perceber o quanto, muitas das questões boas e ruins que apontamos na internet e nas redes sociais, existiam desde a invenção da prensa de Gutemberg. E concluo o quanto “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, na voz de Elis Regina. E olha que eu nem gosto de vozes femininas na MPB, Bossa Nova, Samba e seus derivados. Prefiro as vozes das mulheres no “roquenrol” mesmo.

E também me faço a pergunta título desse post quando entro neste meu blog. Quase tão abandonado e esquecido quanto a dona (Giselle Lucena Drama). É verdade que ele não é, desde o princípio, o que eu imaginei que fosse. Meu diário eletrônico em que eu escreveria sobre o mundaréu de encontros e desencontros entre as idas e vindas do Acre até as Minas Gerais.

Até tenho vários post esboçados. Fotografias ensaiadas, ecos de poemas – juro, inclusive, que não bani a poesia, eu a busquei cada vez que falei em dor e solidão. Mas o mundo dos 140 caracteres tem me sido mais justo e lá estou eu falando seja dos cookies de chocolate, das saudades de casa, do Sherlock Homes ou da minha síndrome do intestino irritável, no Twitter. (veja aqui)

Ah, e como eu queria falar de tanta coisa... Mas, odeio tagarelice do mesmo jeito que odeio cigarros e, vejam só: outro dia a dona do apartamento onde eu moro veio aqui nos trazer uma reclamação da síndica. Esta, por sua vez, atendendo aos protestos da moradora do apartamento de cima, a respeito de um suposto cheiro de cigarro em seu banheiro, fez uma “pesquisa” no prédio e descobriu que o cheiro de cigarro sai do meu apartamento. A questão é que eu e meus queridos coleguinhas aqui não fumamos.

Mas dizem que a vida em sociedade é isso. Mesmo que eu passe longos momentos da minha vida dividida entre as conveniências da solidão do meu quartinho branco – agora com prateleiras – e as escuridões e pipocas das salas de cinema belorizontinas... Os espaços que dividem você e o outro serão sempre recheados de probleminhas que poderiam me render tantas crônicas, mas, nem...  Devo reconhecer, não sou mais a mesma com as palavras e elas também têm sido um tanto injustas comigo. Aqui-acolá até dou as caras pela Confraria dos Últimos Românticos (mas confesso que já fui mais romântica) e, num ritmo mais certeiro e objetivo, aqui no site do Observatório da Diversidade Cultural. 


Mas a vida deve ser isso mesmo. Descobrir. Aprender. Desaprender. Viver. Jogar I-Ching. Atualizar blog. Buscar uma religião. Passar num mestrado. Fazer polenta... E eu que sempre tive sono, tenho domado umas boas doses de remédios para dormir e eles pouco interferem nos meus sonhos. Hoje mesmo, aliás, vou realizar um deles: finalmente, vou assistir a um espetáculo do Grupo Galpão, um dos grupos teatrais que enche BH de orgulho, pela sua trajetória nacional e internacional. A situação pode ser descrita como morar há quase dois anos no Acre e nunca ter assistido ao Grupo Vivarte., da foto acima. (Também costumo trocar umas palavrinhas, vez e outra, na página deles).


E, quem sabe, eu aproveite para perder a vontade de acordar um pouco menos, e mais: inspirada para conversas como essas, que nos levam de bubuia a atravessar vários assuntos e suas correntezas de forma, sutil, como a canção do Skank, que tem um clipe incrivelmente belo - não é à toa que guarda o título de "Melhor Clipe", do VMB 2009.

E então, "mesmo que o mundo acabe, enfim", eu sigo na trilha dessa música, na sonoridade mineira, nos butecos dessa ida...

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

[a]nexo


Nem todo domingo precisa ser domingo. Eis um dia que me costuma ser difícil. Principalmente quando chove ou quando não tem nenhum filme de nome ou cartaz interessante no cinema. Escolho um filme qualquer para disfarçar, seja apenas por nome ou cartaz. E assim me deixo levar pelo mais banal. Tenho um bota específica para os dias de chuva, mas ela nem é a minha preferida: tem salto e eu odeio salto alto. Falta equilíbrio mesmo. Houve um tempo em que andar na chuva me era especial. Como dividir um cornetto com uma grande amiga, a caminho do balé. Às vezes chovia e a gente pouco se importava. Saltitava – até. Fazíamos aula de dança em lugares diferentes, e era isso o que nos permitia passar mais tempo juntas – o entre-caminho. Mas foi numa segunda-feira, em que levantei às 5h da manhã, que me peguei numas reflexões interessantes sobre a nova vida. Tinha feito cuscuz para o jantar e, claro, também serviu para o café da manhã. Ainda podia durar duas ou três refeições a mais. Guardo na geladeira ou deixo fora? Esquento na cuscuzeira ou aos poucos, numa frigideira? Dúvidas banais, meio dominicais, mas que não têm graça nenhuma. Nem aconteceria se eu estivesse em casa. (Até quando vou chamar a casa dos meus pais de casa, como se lá ainda fosse a minha casa e não este apartamento em BH?) Domingo – chuva – a bota de salto alto - filme ruim – não saber o que fazer com a comida sobrando. Entendeu a soma? Quando fui na padaria, pensei que fosse comprar um pão para durar a semana inteira. Foi o cálculo que fiz. Mas saí com uma tortinha de canela que me durou uma manhã. Calculei a quantidade de leite, azeite e granola. Me ficou faltando o pão. É quase o mesmo que resolver deixar a televisão ligada só para não se sentir tão só. Eu tinha um pouco de inveja disso quando meu ex-orientador comentava do filho dele, que o fazia, e refletia sobre as teorias da comunicação. – E o computador anuncia a bateria fraca. Aprendi a usar a televisão como um abajour. Uma luzinha gostosa que me faz dormir rapidinho. Televisão me dá sono. Sempre me deu. Não é coisa da programação, é a caixa de luz. Talvez os dois. Não tenho problemas em ir ao cinema sozinha. Tenho problemas em assistir filme em casa, sozinha. Mas é bom ter todas as luzes apagadas. Gosto de ficar próximo das janelas. Às vezes tenho dúvidas nas concordâncias e tento seguir – à risca – uma rotina. Podem chamar isso de disciplina ou medo. Eu tenho alguns medos sim. Aliás, alguns muitos. Eu imaginava os longos dias em que passaria escrevendo, vestida com um blusão velho, degustando um chocolate quente, com as pernas em cima de uma cadeira. Fazia parte da fantasia. Não imaginei a parte das fraquezas. Os impulsos, as inseguranças. Muitas vezes, realizar um desejo nem é tão bom quanto desejar. Lembrei de Raul, da metamorfose ambulante, da chatice se chegar a um objetivo num instante. Deve haver algum perigo quando as alegrias são guardadas apenas nas lembranças. Penso nos dias em que lembrarei da gastrite que me acordava às 4h30 da manhã, dos glóbulos sublinguais que me livravam da dor de cabeça infernal, do sushi de fruta do restaurante do quarteirão de cima, da dependência de empregada onde esboço um escritório. Da fuga às noites de sexta-feira. Das artimanhas para secar roupa em dias de chuva. Quando tudo for rastro, lembrança e felicidade. Penso que é meio difícil piorar, a não ser que eu realmente desista. Difícil não é ser feliz, é sentir algo que se defina. Fico bem quando sinto as palavras deslizarem. “Vê como você demora a responder? Você pensa demais no que vai dizer” – eu ouvi e pensei mais ainda. Não sabia que havia algo tão tenebroso e ofensivo como o silêncio. (Na verdade, sabia sim). “Eu respeito as palavras, meu caro, é quando me sinto forte”. Mas é só impressão e foi só um pensamento. Sentir as palavras deslizando por entre os dedos, mente ou boca, é como vestir uma roupa que não aperta. É quando tudo, absolutamente tudo, está bem, coerente, meio holístico mesmo. Lembrei do CD acústico do Nirvana. Aliás, às vezes sinto falta da minha estante de CDs. “A minha estante de CDs tem história” – me imagino dizendo isso ao cara do livro “O cheiro do ralo” e acho graça sozinha. Às vezes eu me sinto mais de uma e me acho uma idiota. Ô geminiana #fail. Uma que ri – uma que acha tudo inútil. As duas se devoram de ódio. Talvez, se eu lembrar que é culpa do Sol e da Lua que estavam naquela mesma casa, aí sim, talvez alivie. Viu como tudo é uma questão de lembrança?! Mas eu sigo os dias como este texto. Meio sem nexo. Meio lá e cá. Meio planejado, meio ao acaso. Minha mãe já dizia que eu faço tudo pela metade. Eu canso rápido. Fujo de livro de mais de 300 páginas. Me apavora algo que me parece ser eterno, que aprisiona. Às vezes queria até mudar de nome. Imagina se eu tivesse feito uma tatuagem? Deus me livre. Já tinha me amputado. Falo pouco para não correr o risco de cansar da minha voz – juro que isso já me aconteceu. Mas me acho uma sortuda por respeitar o corpo. Por me deixar dormir quando tenho sono. Aliás, não tenho o menor problema com insônia. Esta parte da juventude hiper-moderna não me atingiu. Gastrite, dispersão, enxaqueca, compulsões, ansiedade, tudo ao mesmo tempo agora. Disso tudo eu sofro. Mas de insônia não. O que me incomoda, às vezes, é acordar cansada de tanto sonhar. 

foto: no topo da Table Mountain, em Cape Town. 

domingo, 27 de novembro de 2011

Conversas de galos

Este não é um conto Lispectoriano. Aliás, não é um conto de nenhuma natureza, uma vez que a minha simpatia com esta forma literária não se dá por meio da leitura, muito menos da escrita. A questão é que um copo de vidro cai, se estilhaça no chão e alguém grita. Um carro passa na rua, solta uma buzina e alguém grita. Um bêbado na rua dá grito divagante e, um outro alguém grita. Vem um vento forte e uma janela bate, uma porta também bate, as paredes estremecem e alguém grita. Qualquer barulho, qualquer som e alguém grita. Em BH, em dias de jogo ou não, por motivos de gol ou não, por motivos de conquista de novos títulos ou não, alguém grita, em qualquer lugar, em qualquer esquina, em qualquer janela, em qualquer carro, alguém grita, a plenos pulmões, força, garra, orgulho: GALOOOOO!!!!!

Eis que hoje, por qualquer motivo, eu também não resisti e gritei. Foi uma coisa meio libertária. Me senti gritando um palavrão ou xingando alguém. Sei lá o que isso possa significar. Havia algo como: “ok, vocês venceram, eu entrei pro jogo!”. Estarei eu, nos territórios belzontinos, virando galo por acidente ou contágio? Me lembrei daquela teoria do canto do galo, em que se pondera sobre o fato de que um primeiro galo canta ao ver um raio de sol, e desencadeia outros cantos de outros galos que, ao ouvir um, vão repetindo o canto também, como um efeito dominó que vai se alastrando por todo o planeta. (Não sei se isso vem de algum conto, poema ou teoria semiótica. Só lembro que estudei isso nas aulas de ética, lá no último período da universidade, sobre ordem do discurso e inexistência do autor, e foi muito legal). 

Foi essa uma das primeiras coisas cotidianas que me chamou atenção aqui em Belo Horizonte (além da carne de porco que está presente em todos os pratos). Toda e qualquer pessoa curte – viciadamente - futebol. Até quem diz que não gosta, confere o resultado do jogo. Eu, que inicialmente morei numa república com umas 11 meninas que faziam o pré-vestibular (isso mesmo: ONZE menininhas), fiquei um pouco surpresa quando notei que aquelas garotas, quando não estavam estudando, pitando unha ou alisando os cabelos, estavam grudadas na TV vendo jogo. E elas torciam mesmo, de verdade, e se transformam diante daquela coisa. 

Tirando os fatos absurdos desse universo: o salário dos jogadores e o que eles fazem da vida deles, virando estrelinhas, astros, ídolos, e são “elementos” estranhíssimos que se tornam – de qualquer jeito – o orgulho do país; usam chuteiras coloridas, lançam penteados da moda (o “estilo jogador de futebol”[???]) etc etc etc... Tirando isso tudo (aliás, eu não entendo nada – absolutamente nada – de futebol), acho realmente muito curioso - e até fascinante - o fato de as pessoas se familiarizarem umas com as outras, rapidinho, quando falam dos seus times. Uma relação de companheirismo, amizade e fidelidade é firmada, simplesmente, porque você descobre que outra pessoa torce pro mesmo time que você. E, de repente, as pessoas ficam abertas para conversar na maior alegria, seja com quem for, seja onde for...

Enquanto isso, eu, que sempre olhei pro futebol como uma coisa chata de menino, me pego na ironia de gritar GALOOOO sem nunca saber se Galo é o Cruzeiro ou o Atlético. Só sei que propagar esse grito do galo é bom demais. ;)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Acreanices

Ou a verdade sobre os rios


Eu já estava no quarto degrau das escadas quando avistei o Carpinejar. Ele havia me acompanhado durante alguma viagem que nem lembro qual. Mas o esqueci aqui, em Rio Branco. Lá em BH, li e falei muito mal, e assim ficou a leitura incompleta. Insisti porque me fez lembrar – muito – a época em que Luiz Fernando Veríssimo – e Matheus – me roubava o recreio com “As mentiras que os homens contam”. Tempo bom, ô txai! Foi no yoga que eu olhei para o espelho e lembrei o recado de batom. Ri e suspeitei que a história pudesse ser bonita – além de ser de amor.

Já beiravam as oito da noite de um sábado interminável quando, depois de quatro curtas sem sucesso, tomei algumas notas, em um guardanapo de papel miúdo, que me deixaram o Acre mais coerente. Em breve eu embarcaria.

Estava diante de Artur, um rapaz hiperativo, ansioso, que respira pouco e fala muito. E fala de tudo. Desventuras de mochila, lingüística e teatro grego. Já viajou meio-Brasil, tem planos para conhecer o exterior. É historiador, cinéfilo e leitor de contos policiais para distrair. Também havia Rita, carioca, desprendida, autônoma. Morou no Acre dois anos. Mora em BH há uma semana. Conhece pouca coisa e ninguém. Gosta de arte circense, de caminhar à noite. Fala baixo e ouve muito. Mas foi Rodolfo, num instante seguinte, quem assumiu o comando do filme. “Família vende tudo”, poderia ter sido bem pior. O cara é especialista em lazer. PhD em diversão. D’outro mundo.

Algumas daquelas gaitices sobre o Acre devem estar nas rapidinhas do Zé Leite, nas entrelinhas do Garibaldi Brasil, pelos barrancos do rio ou pelo twitter. Ríspido, amargo e doloroso. São estes alguns dos diversos significados do nome. E a vida aqui segue estes rumos. Falando em rumos, aliás, a gente, do Acre, tem uma tendência a alterá-los o tempo todo. Mudar de idéia, renovar trajetos, arriscar e esboçar outros percursos – não atalhos. Assim são nossas ruas e nossos rios: sinuosos e tortuosos. Basta uma enchente para tudo se refazer. Por essas e outras, que a cidade pára para ver a chuva passar e o planejamento é tão difícil.

A gente, no Acre, resiste sim a tudo que é novo, de fora, desconhecido. Primeiro é por uma tendência natural e espontânea a viver e promover resistências, embates, empates, briga, guerra, revolução, qualquer coisa do tipo. Segundo, é uma tendência, também natural e espontânea, a promover o que há de mais caseiro, a entrega ao isolamento, pequeno, tímido, miúdo e certeiro. Deve haver algo de antropológico nisso. Consegui visualizar origens antigas, os primórdios, lá na floresta onde nunca estive. Me falta escuta para contar este lado da história. Sei é que crescemos e fomos criados assim: ora na fuga, ora no enfrentamento.

A gente, do Acre, apressa pedindo: “cuida”; a gente manifesta carinho dando beliscão, trincando dente e apertando o beiço no ato de “reinar”. O abraço aqui é quente, longo, suado. Por vezes, venenoso. Os muros são baixos e a vida política e profissional é de quintal. As pessoas precisam, antes, estar bem com elas mesmas, para, depois, lidar com o mundo afora. Tudo é personificado, pessoalizado, individual. Haja coração. “O que não mata, fortalece”, diz um irmão meu.

É por essas e outras que preciso, constantemente, da minha dose de Acre. Pois quem é capaz de suportar e encarar o Acre é capaz de viver qualquer coisa. Marrapaiz.

ps: a foto era pra ter sido uma que aparece uma catraia atravessando...

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

do Latim Torpere


s.m. Estado de sensibilidade reduzida.
Estado tórpido de alguma parte do corpo.
Entorpecimento; adormecimento.
torpor |ô|
 [Figurado]   [Figurado]  Inacção.Inação.Inação do espírito.

Indiferença.

Sinônimos de Torpor

Torpor: indolência, moleza e preguiça

Definição de Torpor

Classe gramatical de torpor: Substantivo masculino
Separação das sílabas de torpor: tor-por
Plural de torpor: torpores
Possui 6 letras
Possui a vogal: o
Possui as consoantes: p r t
A palavra Torpor escrita ao contrário: roprot


Exemplo:

Entre os homens, na maioria dos casos, a inatividade significa torpor, e a atividade, loucura. -- Epicuro





  • portor


  • Anagramas de torpor

     

    *Foto: um doce mimo da Manu.

    quarta-feira, 12 de outubro de 2011

    Um ritmo

    Ou: simples como a infância
    Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos. (Fernando Pessoa )

    Quando criança, aprendi muitas coisas que só agora sou realmente capaz de compreender, embora, muitas vezes seja ainda incapaz de compor ao meu dia-a-dia. Naquela época, havia mais tempo. Os dias eram mais longos e a vida mais leve.
    Assim como a maioria das crianças, eu tinha medo de ficar sozinha. E por muito tempo fiquei só. A casa não tinha tantos cômodos como tem hoje, mas parecia ter o triplo do tamanho - era enorme. E eu, pequena e insignificante no interior dela. Também tinha medo do escuro e do silêncio.
    A minha sorte foi que desde cedo aprendi a colecionar versos, a decifrá-los e a acreditar neles. “Quem canta, os males espanta”, dizia um. Então eu cantava. E cantava em voz alta. E cantava tudo. E brincava de saltar pela casa, ligar TV, som, tudo de uma vez. Ficava imaginando que todo e qualquer mal tivessem medo da música. Monstros, fantasmas, seres do além, a mulher de branco do banheiro do Instituto São José, o boneco assassino do Fofão, bichos d’outro planeta. Todos eles se espantavam e iam embora quando eu cantava.
    Eu já sabia que música era como um manto de proteção.
    Hoje eu percebo que para tudo na vida existe uma canção, um verso, um ritmo. Para qualquer medo, qualquer aperto, qualquer saudade, qualquer dor, há uma música que conforta. Não é à toa que coleciono alguma meia-dúzia de ex-banda e alguns poemas órfãos de acordes. “Eu só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder”, me peguei cantando hoje no banheiro. E lembrei o quanto a música melhora e facilita tudo.
    E em toda a fase da vida somos convidados a bailar num determinado ritmo. Ora ele apruma pra um tempo que encaixa direitinho com o qual nos sentimos preparados. Passinho-pra-cá-passinho-pra-lá. Ora arriscamos piruetas, saltos e tanto tipo de rebolado. Ora tropeçamos, damos pisão no pé, caímos. Às vezes a gente senta, toma um fôlego e volta para a pista. Há danças que dançamos junto, há danças que dançamos só.
    E há momento em que este mesmo verbo sinaliza um fracasso: dancei.
    Independente de qualquer coisa, a música sempre vai continuar e exigir o bailado certo, assim como que para qualquer percepção, haverá sempre uma razão. Ou aprendemos a olhar, a ouvir e a entrar n'outros ritmos, ou vamos acreditar que só é possível uma única trilha...

    sábado, 1 de outubro de 2011

    Quando a vida dói

    E só vai saber pra que serve o tempo
    Quem se preocupar quando houver saudade
    Às vezes dói, como dói querer não sentir vontade


    Talvez eu tivesse me apaixonado se não fosse o medo da inconveniência. E optei por engolir o vento que bate porta, bate janela, e me aponta as mesmas estrelas... Vantagens e desvantagens do décimo primeiro andar. Vantagens e desvantagens duma vida que apruma, volta, arrepende. Mas é com uma idéia suave que chega no meio da tarde de uma quinta-feira cinza; é com aquele poema quase música, de amor antigo que não vingou;  são com uns versos meio soltos do Pato Fu; com tudo isso que a vida parece plumar. Ou é meu corpo que enrijece?
    Fiquei na dúvida. Apenas mais uma. Lembrei que a dúvida (além do “preço da pureza”) é também um medo da culpa, uma fuga da responsabilidade e da angústia do erro, uma tradução da insegurança. “Mesmo que a raiva vença a esperança, você sabe que amanhã vai estar tudo diferente”.

    Nossa vida vai dizer o que mais importa
    Todo mundo vai saber que o amor convém
    Deixa tudo acontecer
    Nosso filme


    Naquele dia, a possibilidade do tudo diferente é que fez nó no peito, na garganta, nos joelhos. Há momentos em que a mesmice é o auge da alegria. Mas a metade do meu percurso, fiz com o vestido levantado; um cara quis me roubar o celular, mas nem teve força para anunciar o assalto; descobri que a água de coco de caixinha nem é tão ruim assim; arrisquei esboçar o que eu sentia e conheci a flor de candura. Embora tivesse desistido de mim, procurei entender as nuvens, decifrar enigmas de Einstein e ver um filme unicamente por conta do título. A ironia da vida não está à parte. Eu havia desistido, também, de escrever sobre o talvez que permeia corpo, vida, longitude. Mas me dei conta que os finais felizes da minha literatura vira-lata me fazem um bem danado.

    *Em destaque, versos da canção "A dois", de Los Porongas. 

    quinta-feira, 11 de agosto de 2011

    respeitar o tempo


    Do relógio
    O tempo
    do coração
    O tempo
    da natureza
    O tempo
    do outro
    O tempo
    do gostar
    O tempo
    do desapego
    O tempo
    do esquecer
    O tempo
    da espera

    Até
    [des] cansar.

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    Respeitar o tempo é sonoro, poético e utópico. 
    Eu não sei como traduz, como acessa, como conjuga.

    [Notas ao acaso: - pensar em: estratégias e ações de como promover o acesso ao tempo do outro].

    Suspeito que: seja o tempo o único que passa, mesmo estando – para sempre - impregnado na pele.

    quinta-feira, 4 de agosto de 2011

    Um nome que não tinha história e estava completamente fora do contexto

    Da série: dedique uma canção a quem você ama.


    Bianca tomou drogas. Daquelas que se compram na drogaria da esquina, junto com leite e balas de canela. Não que ela tivesse insônia. Apenas não queria correr algum risco. Queria pular aquele domingo e passar do sábado direto para segunda-feira. Foi quando resolveu substituir a dor, o pânico e o desespero por uma aventura nem tão desastrosa. Lembrou da grana no banco e resolveu ouvir aquela música do Chico mais uma vez e rodar pela sala. E então, encontrou, quase esquecido, um livro de poesia do Fernando Pessoa, lido e rabiscado pela metade. “Eu descobri um anjo negro”, concluiu. Bianca tomou drogas e nem precisou das horas a mais no banheiro. Não que devesse repetir o xampu no cabelo. Apenas não queria sentir perdendo-se no abismo dos seus pesadelos clandestinos. Bianca se sentiu leve. Não porque andou de bicicleta, saltou de pára-quedas ou reparou no vermelho do céu quando amanhece. Apenas, porque superou o medo do não-calar-se. Bianca tomou drogas e se lembrou de Andréa, dos cabelos encaracolados e talento para o vôlei; se lembrou do tiro na boca; do fogo pelo corpo; e do corpo caindo num trânsito noturno, em pleno Rio de Janeiro. Bianca pensou em Letícia e se deu conta de como a vida é leve, pluma, algodão; e esboçou poesia inspirada na peça do Espanca!, que perguntava qual seria o contrário de vida. “Era isso mesmo?”. Tinha dúvidas, mas não carregava nem ódio nem nada. Bianca resolveu ligar para Natália e perguntar a receita daquele bolo de chocolate feito no liquidificador. Não que tivesse fome ou curiosidade, mas carregava a sede de algo que não sabia o nome. “Já quis comer algo que não existe?”. Lembrou do pavor de borboletas, de falar em público, de pedir favores ou ajuda. Foi depois da meia-noite, de um julho tenebroso, que Bianca renasceu meio da insônia, meio da esperança. Bianca era acusada ingenuamente de desajustada social, e decidiu que não queria mais lembrar as revistinhas de amor-romântico das bancas de jornal naquelas esquinas de São Paulo. Por isso, passou a ser Tereza, mesmo continuando com o fetiche por mãos e colecionando cartas anônimas. E Tereza é grande amiga de Albatroz que, décadas depois, viria a ser a vovó Alba.

    Quando Juliano me pediu para me inspirar por onde passasse e o enviasse um poema, eu perguntei se tinha certeza: terei uma música? Confessei a minha falta de luz: sobra saudade, falta fantasia. Ele disse que também se sentia assim, e que era disso que nasciam os cantos. Inventei uma mentira e um choro de motivo desconhecido – um dia te explico; - um dia, quando eu entender também. Eu, que por tanto tempo acreditara que Juliano seria gay e, mesmo assim, oferecia-lhe meus poemas, de rimas tímidas e sentimento raso, para conquistar suas garotas. E foi num bauzinho de pedra-sabão que combinamos de guardar uma saudade. E quem diria que eu escreveria sobre Juliano, depois de tanto tempo, choro, vela, e dança passinho-para-um-lado-passinho-para-o-outro, em festas regadas a Hi-fi genérico e DJ meia-boca. Juliano seria do tipo para guardar a foto e esquecer o nome. Mas eu lembraria o seu endereço. Talvez, Juliano devesse tomar drogas. Sei, é que ele foi para o mar e virou peixe...