quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

[a]nexo


Nem todo domingo precisa ser domingo. Eis um dia que me costuma ser difícil. Principalmente quando chove ou quando não tem nenhum filme de nome ou cartaz interessante no cinema. Escolho um filme qualquer para disfarçar, seja apenas por nome ou cartaz. E assim me deixo levar pelo mais banal. Tenho um bota específica para os dias de chuva, mas ela nem é a minha preferida: tem salto e eu odeio salto alto. Falta equilíbrio mesmo. Houve um tempo em que andar na chuva me era especial. Como dividir um cornetto com uma grande amiga, a caminho do balé. Às vezes chovia e a gente pouco se importava. Saltitava – até. Fazíamos aula de dança em lugares diferentes, e era isso o que nos permitia passar mais tempo juntas – o entre-caminho. Mas foi numa segunda-feira, em que levantei às 5h da manhã, que me peguei numas reflexões interessantes sobre a nova vida. Tinha feito cuscuz para o jantar e, claro, também serviu para o café da manhã. Ainda podia durar duas ou três refeições a mais. Guardo na geladeira ou deixo fora? Esquento na cuscuzeira ou aos poucos, numa frigideira? Dúvidas banais, meio dominicais, mas que não têm graça nenhuma. Nem aconteceria se eu estivesse em casa. (Até quando vou chamar a casa dos meus pais de casa, como se lá ainda fosse a minha casa e não este apartamento em BH?) Domingo – chuva – a bota de salto alto - filme ruim – não saber o que fazer com a comida sobrando. Entendeu a soma? Quando fui na padaria, pensei que fosse comprar um pão para durar a semana inteira. Foi o cálculo que fiz. Mas saí com uma tortinha de canela que me durou uma manhã. Calculei a quantidade de leite, azeite e granola. Me ficou faltando o pão. É quase o mesmo que resolver deixar a televisão ligada só para não se sentir tão só. Eu tinha um pouco de inveja disso quando meu ex-orientador comentava do filho dele, que o fazia, e refletia sobre as teorias da comunicação. – E o computador anuncia a bateria fraca. Aprendi a usar a televisão como um abajour. Uma luzinha gostosa que me faz dormir rapidinho. Televisão me dá sono. Sempre me deu. Não é coisa da programação, é a caixa de luz. Talvez os dois. Não tenho problemas em ir ao cinema sozinha. Tenho problemas em assistir filme em casa, sozinha. Mas é bom ter todas as luzes apagadas. Gosto de ficar próximo das janelas. Às vezes tenho dúvidas nas concordâncias e tento seguir – à risca – uma rotina. Podem chamar isso de disciplina ou medo. Eu tenho alguns medos sim. Aliás, alguns muitos. Eu imaginava os longos dias em que passaria escrevendo, vestida com um blusão velho, degustando um chocolate quente, com as pernas em cima de uma cadeira. Fazia parte da fantasia. Não imaginei a parte das fraquezas. Os impulsos, as inseguranças. Muitas vezes, realizar um desejo nem é tão bom quanto desejar. Lembrei de Raul, da metamorfose ambulante, da chatice se chegar a um objetivo num instante. Deve haver algum perigo quando as alegrias são guardadas apenas nas lembranças. Penso nos dias em que lembrarei da gastrite que me acordava às 4h30 da manhã, dos glóbulos sublinguais que me livravam da dor de cabeça infernal, do sushi de fruta do restaurante do quarteirão de cima, da dependência de empregada onde esboço um escritório. Da fuga às noites de sexta-feira. Das artimanhas para secar roupa em dias de chuva. Quando tudo for rastro, lembrança e felicidade. Penso que é meio difícil piorar, a não ser que eu realmente desista. Difícil não é ser feliz, é sentir algo que se defina. Fico bem quando sinto as palavras deslizarem. “Vê como você demora a responder? Você pensa demais no que vai dizer” – eu ouvi e pensei mais ainda. Não sabia que havia algo tão tenebroso e ofensivo como o silêncio. (Na verdade, sabia sim). “Eu respeito as palavras, meu caro, é quando me sinto forte”. Mas é só impressão e foi só um pensamento. Sentir as palavras deslizando por entre os dedos, mente ou boca, é como vestir uma roupa que não aperta. É quando tudo, absolutamente tudo, está bem, coerente, meio holístico mesmo. Lembrei do CD acústico do Nirvana. Aliás, às vezes sinto falta da minha estante de CDs. “A minha estante de CDs tem história” – me imagino dizendo isso ao cara do livro “O cheiro do ralo” e acho graça sozinha. Às vezes eu me sinto mais de uma e me acho uma idiota. Ô geminiana #fail. Uma que ri – uma que acha tudo inútil. As duas se devoram de ódio. Talvez, se eu lembrar que é culpa do Sol e da Lua que estavam naquela mesma casa, aí sim, talvez alivie. Viu como tudo é uma questão de lembrança?! Mas eu sigo os dias como este texto. Meio sem nexo. Meio lá e cá. Meio planejado, meio ao acaso. Minha mãe já dizia que eu faço tudo pela metade. Eu canso rápido. Fujo de livro de mais de 300 páginas. Me apavora algo que me parece ser eterno, que aprisiona. Às vezes queria até mudar de nome. Imagina se eu tivesse feito uma tatuagem? Deus me livre. Já tinha me amputado. Falo pouco para não correr o risco de cansar da minha voz – juro que isso já me aconteceu. Mas me acho uma sortuda por respeitar o corpo. Por me deixar dormir quando tenho sono. Aliás, não tenho o menor problema com insônia. Esta parte da juventude hiper-moderna não me atingiu. Gastrite, dispersão, enxaqueca, compulsões, ansiedade, tudo ao mesmo tempo agora. Disso tudo eu sofro. Mas de insônia não. O que me incomoda, às vezes, é acordar cansada de tanto sonhar. 

foto: no topo da Table Mountain, em Cape Town.