domingo, 18 de março de 2012

Histórias de cinema (outras mais...)


... E sigo meus rituais sagrados de fins de semana: o cineminha. Já notei que é quase uma forma de se transportar para outro mundo, tempo e espaço,  onde não sou responsável por mim mesma, pela realidade que se coloca, pelo enredo em questão. Papo estranho. Mas deve haver algo de verdade nisso.

Acabava de começar o iraniano “A separação”, e eu também carregava ingresso para sessão seguinte, com “O Artista”. O primeiro filme começa com algumas limitações técnicas e as luzes reacendem. “Oi... quer uma bala? Toma aqui...”, me diz a senhora que estava ao meu lado. E aí ela procurou uma balinha e não achou balinha nenhuma. “Poxa, era uma balinha de leite, tão gostosa...”. Alguém ficou no vácuo e eu não sabia se era eu ou ela. “Ah, não! Agora eu quero...!”, eu disse pra fazer brincadeira.

Ela estava acompanhada de mais um casal de senhores, e eu não faço a menor ideia de quantos anos eles tinham, mas, facilmente, ultrapassavam da idade dos meus avôs. Ela disse que havia comentado o fato de eu estar sozinha. “É, eu venho todos os finais de semana”, afirmei. A senhora, então, começou a lamentar e dizer que também deveria aprender a ser assim, e contou que estava com o pai e a namorada – sim, a namorada do pai. “Minha mãe morreu, então eu estava morando com meu pai. Mas aí, ele arrumou uma namorada e foi morar com ela. E eles já estão juntos há um ano e meio. Eu casei, mas separei e não tive filhos. Até hoje não consegui aprender a sair sozinha”, me explicou.

Eu engasguei no meu próprio silêncio avistando esse abismo de três lados: um, a prova de que é impossível e desnecessário ser só; outro, a tentativa lamentável de aprender a ser sozinha; e, ainda, eu, que nem sei o que sei e o que sou.


Mesmo assim me dispus a ouvir algumas histórias (o filme recomeçou, parou mais uma vez e eu devolvi o ingresso da sessão seguinte): ela se formou em artes visuais e era aposentada. Viajou meio mundo – inclusive, conhece o Rio Branco e Cobija. Me arrumou uma bala de menta. As luzes se apagaram e o filme começou. Era sobre uma tentativa de separação. Era, acima de tudo, sobre medo e culpa.

-x-

Dizem que a psicanálise ensina a enfrentar um sintoma a partir da sua nomeação, a fim de reconhecê-lo e singularizá-lo. Por isso, querer viver algo que cujo nome amedronta e faz fugir de medo, pode ser um suicídio dos piores, lento e massacrante. Às vezes tentamos explicar e entender situações mensurando erros, ligações perdidas, mensagens que não chegam. Mas silêncio não tem tamanho, ou parcelas e prestações, assim como dor e sentimento.

Escolhi uma música, mas o disco rolou inteiro. Lado A, Lado B. Ambos rodaram. Rodaram. E nós rodamos juntos. E eu rodei também. As palavras da tontura, meio bambas, meio tropeçadas, podem apresentar a seguir esperança ou desespero. É claro que escolhemos a esperança. É claro que fomos escolhidos pelo desespero. 

Penso que se eu fugi do mundo, é com a certeza de que ele fugiu de mim primeiro. Cada vício é uma extensão do próprio corpo. Meio só, meio sem ninguém. Como conhecer os rastros do rosto, do corpo, da dicção tropeçada, parecida com soluço. Quem foi que disse que manter-se forte é ignorar o que se sente? Quem mesmo disse que fazer uma escolha é, exatamente, escolher. Escrever para um blog até traz a sensação de conversar com outro alguém, nem que seja comigo mesma, meio invisível e, por isso mesmo, no risco do indizível.
O mundo conectado. Aqui e agora e em qualquer lugar num presente contínuo. Desvendados os maiores segredos dos tão longínquos confins desse universo. Mas o homem continua essa coisa tosca e frágil.
*Fotos de cenas do filme "A separação"

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

[de] Matos


Logo à frente, na segunda fileira, estava eu, diante da grande tela e um saco médio de pipoca salgada e doce [sim, sou geminiana e filha do meu pai: na dúvida, vai as duas!]. E, na companhia da minha própria pessoa, fiquei pensando a respeito do nome do pipoqueiro. E logo me vi tateando sobre uma possível crônica falando daquele pipoqueiro com nome de poeta, que havia me entregue um panfleto de seu show intitulado Amores, numa quarta-feira próxima. “Mas se você estará lá, quem estará aqui fazendo pipoca?” – Pensei, mas não perguntei. Desde que cheguei em BH, talvez eu tenha ido mais àquele cinema do que às aulas do curso que vim fazer. E é sempre ele, o mesmo pipoqueiro, quem está lá no meio daquele cheiro de pipoca, entre aquela fila de gente meio chata, meio só, meio eu. Sei que tem gente que não suporta barulhinho de degustação nas salas. Eu não me importo nenhum pouco. Adoro pipoca. Adoro cinema. Adoro comer pipoca no cinema.

E começou a história sobre a “Dama de Ferro”. “Um pipoqueiro consegue ser músico, e eu não. Talvez eu não tenha mesmo nascido artista”. – Eu pensava. Mas gosto de lembrar que, além de ser geminiana, nasci com o Sol e a Lua na casa de gêmeos, ou seja: sou triplamente geminiana, triplamente enjoável, triplamente instável, triplamente duas-caras. E a Lua, meu caro, era Lua Nova. Eu via o filme e pensava na crônica. Pensava no pipoqueiro-músico-de-nome-de-poeta. Comia pipoca. Ouvia comentários sobre a revolução argentina atrás de mim. Reparava no sujeito estranho logo à frente. E admirava os vestidos azuis da Dama de Ferro. Pensava nos amores. Queria que o filme acabasse. Queria estar em casa. Queria nunca ter estado ali.

As luzes se acenderam e busquei dentro da bolsa o panfleto do show para conferir o nome do pipoqueiro. Não era Melo, era Matos. Thiago de Matos. O esboço de texto na minha cabeça já não fazia o menor sentido. Eu poderia esquecer. Eu poderia mentir. Eu poderia, simplesmente, inventar histórias. Quem sabe, uma ficção. Mas não. Optei pelo desgosto. Quando saí, fingi que não o vi. A pipoca nem estava muito boa, afinal. Ele não tem a menor culpa de ter nascido pipoqueiro-músico-sem-nome-de-poeta. Mas eu queria odiá-lo mesmo assim. Quando me perco por aí, fico bem estressada com a pessoa com quem devo encontrar, mesmo ela não tendo a menor culpa pelo fato de eu ter tomado o caminho errado. Mas fico e não tenho o menor controle sobre isso. Foi o que aconteceu. É uma questão de expectativa. De ansiedade. De fantasia. Todas rompidas pelos apuros da realidade.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

De cor(es)



Do latim de + cordis (do coração – a sede do conhecimento no corpo humano); “saber pelo coração”. 

Lugar
Do Latim locus, “lugar”, derivado do Latim Arcaico stlocus, mais tarde locus, que vem do Indo-Europeu sthel-, “colocar, fazer ficar”.

*Derivados: não-lugar; entre-lugar; lugar comum.
em primeiro lugar: antes de tudo, antes de mais nada.

>> Ponha-se no seu lugar; Se coloque no meu lugar;
>> + "Vida" e "Outro".
(Lugar, a vida'doutro; d'outra vida; além)

Adendo # Representação # algo que você coloca no lugar de.
Portanto: 
>> O lugar que ocupa / O que representa.

Relacionado # Labirinto # Latim, LABYRINTHUS, Grego, LABYRINTHOS, “edifício com passagens confusas, complicadas”.

Outro
Do Latim, ALTER, “outro”

det. e pron. indef.
1. Não este. 2. Diferente. 3. Mais um. 4. Seguinte. 5. Precedente. 6. Restante.

>> Também derivou: “Alteridade”’; “Alter ego” (outro eu).

outros
pron. indef. m. pl.
7. Os alheios.

Versão mais que definida.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Onde está Wally? [dã]


Quando vi essa foto, na página do Galpão Cine Horto, no Facebook, logo me fiz essa pergunta idiota referente àquela série de livros ilustrados de autoria britânica (se não conhece ou lembra, veja aqui). Chega até a ser engraçado lembrar que isso me era um passatempo gostoso, embora bem bobo, lá na casa da minha tia, onde tive a oportunidade, também, de ler gibis da turma da Mônica. E faço essa brincadeira silenciosa toda vez em que avisto uma foto de várias pessoas e sei que estou em algum lugar ali.

A foto, bem emblemática para o momento, é de uma atividade do Galpão Cine Horto, chamada “Sabadão 2012”. Nesta edição, além de conferir um ensaio aberto do espetáculo “Quintal”, o público também conferiu uma conversa com Gero Camilo, que prestou uma consultoria aos atores da Cia Casca.
 
Gero falou, entre outras coisas, da ligação entre corpo e voz numa encenação. No espetáculo em que dois adultos interpretam crianças, ele alertou para a “reação”, uma das grandes características do comportamento infantil: a resposta com o corpo. O silêncio, ele disse, é dramaturgia do adulto.

Lembrei disso e relacionei com o livro que comecei a ler “A cultura da participação” (este da imagem ao lado), em que o autor conta alguns dos casos em que governos tentam tratar conseqüências/efeitos/reações nas cidades, em vez dos problemas reais e, por isso, eles nunca são resolvidos. Tipo aquele médico que, depois de eu contar uma longa história que incluiu dores intensas de cabeça, desmaio e milhares de espirros, ele apenas me perguntou: o que você está sentindo agora?

Mas o livro também tem me feito perceber o quanto, muitas das questões boas e ruins que apontamos na internet e nas redes sociais, existiam desde a invenção da prensa de Gutemberg. E concluo o quanto “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, na voz de Elis Regina. E olha que eu nem gosto de vozes femininas na MPB, Bossa Nova, Samba e seus derivados. Prefiro as vozes das mulheres no “roquenrol” mesmo.

E também me faço a pergunta título desse post quando entro neste meu blog. Quase tão abandonado e esquecido quanto a dona (Giselle Lucena Drama). É verdade que ele não é, desde o princípio, o que eu imaginei que fosse. Meu diário eletrônico em que eu escreveria sobre o mundaréu de encontros e desencontros entre as idas e vindas do Acre até as Minas Gerais.

Até tenho vários post esboçados. Fotografias ensaiadas, ecos de poemas – juro, inclusive, que não bani a poesia, eu a busquei cada vez que falei em dor e solidão. Mas o mundo dos 140 caracteres tem me sido mais justo e lá estou eu falando seja dos cookies de chocolate, das saudades de casa, do Sherlock Homes ou da minha síndrome do intestino irritável, no Twitter. (veja aqui)

Ah, e como eu queria falar de tanta coisa... Mas, odeio tagarelice do mesmo jeito que odeio cigarros e, vejam só: outro dia a dona do apartamento onde eu moro veio aqui nos trazer uma reclamação da síndica. Esta, por sua vez, atendendo aos protestos da moradora do apartamento de cima, a respeito de um suposto cheiro de cigarro em seu banheiro, fez uma “pesquisa” no prédio e descobriu que o cheiro de cigarro sai do meu apartamento. A questão é que eu e meus queridos coleguinhas aqui não fumamos.

Mas dizem que a vida em sociedade é isso. Mesmo que eu passe longos momentos da minha vida dividida entre as conveniências da solidão do meu quartinho branco – agora com prateleiras – e as escuridões e pipocas das salas de cinema belorizontinas... Os espaços que dividem você e o outro serão sempre recheados de probleminhas que poderiam me render tantas crônicas, mas, nem...  Devo reconhecer, não sou mais a mesma com as palavras e elas também têm sido um tanto injustas comigo. Aqui-acolá até dou as caras pela Confraria dos Últimos Românticos (mas confesso que já fui mais romântica) e, num ritmo mais certeiro e objetivo, aqui no site do Observatório da Diversidade Cultural. 


Mas a vida deve ser isso mesmo. Descobrir. Aprender. Desaprender. Viver. Jogar I-Ching. Atualizar blog. Buscar uma religião. Passar num mestrado. Fazer polenta... E eu que sempre tive sono, tenho domado umas boas doses de remédios para dormir e eles pouco interferem nos meus sonhos. Hoje mesmo, aliás, vou realizar um deles: finalmente, vou assistir a um espetáculo do Grupo Galpão, um dos grupos teatrais que enche BH de orgulho, pela sua trajetória nacional e internacional. A situação pode ser descrita como morar há quase dois anos no Acre e nunca ter assistido ao Grupo Vivarte., da foto acima. (Também costumo trocar umas palavrinhas, vez e outra, na página deles).


E, quem sabe, eu aproveite para perder a vontade de acordar um pouco menos, e mais: inspirada para conversas como essas, que nos levam de bubuia a atravessar vários assuntos e suas correntezas de forma, sutil, como a canção do Skank, que tem um clipe incrivelmente belo - não é à toa que guarda o título de "Melhor Clipe", do VMB 2009.

E então, "mesmo que o mundo acabe, enfim", eu sigo na trilha dessa música, na sonoridade mineira, nos butecos dessa ida...