Ou a verdade sobre os rios
Eu já estava no quarto degrau das escadas quando avistei o Carpinejar. Ele havia me acompanhado durante alguma viagem que nem lembro qual. Mas o esqueci aqui, em Rio Branco. Lá em BH, li e falei muito mal, e assim ficou a leitura incompleta. Insisti porque me fez lembrar – muito – a época em que Luiz Fernando Veríssimo – e Matheus – me roubava o recreio com “As mentiras que os homens contam”. Tempo bom, ô txai! Foi no yoga que eu olhei para o espelho e lembrei o recado de batom. Ri e suspeitei que a história pudesse ser bonita – além de ser de amor.
Já beiravam as oito da noite de um sábado interminável quando, depois de quatro curtas sem sucesso, tomei algumas notas, em um guardanapo de papel miúdo, que me deixaram o Acre mais coerente. Em breve eu embarcaria.
Estava diante de Artur, um rapaz hiperativo, ansioso, que respira pouco e fala muito. E fala de tudo. Desventuras de mochila, lingüística e teatro grego. Já viajou meio-Brasil, tem planos para conhecer o exterior. É historiador, cinéfilo e leitor de contos policiais para distrair. Também havia Rita, carioca, desprendida, autônoma. Morou no Acre dois anos. Mora em BH há uma semana. Conhece pouca coisa e ninguém. Gosta de arte circense, de caminhar à noite. Fala baixo e ouve muito. Mas foi Rodolfo, num instante seguinte, quem assumiu o comando do filme. “Família vende tudo”, poderia ter sido bem pior. O cara é especialista em lazer. PhD em diversão. D’outro mundo.
Algumas daquelas gaitices sobre o Acre devem estar nas rapidinhas do Zé Leite, nas entrelinhas do Garibaldi Brasil, pelos barrancos do rio ou pelo twitter. Ríspido, amargo e doloroso. São estes alguns dos diversos significados do nome. E a vida aqui segue estes rumos. Falando em rumos, aliás, a gente, do Acre, tem uma tendência a alterá-los o tempo todo. Mudar de idéia, renovar trajetos, arriscar e esboçar outros percursos – não atalhos. Assim são nossas ruas e nossos rios: sinuosos e tortuosos. Basta uma enchente para tudo se refazer. Por essas e outras, que a cidade pára para ver a chuva passar e o planejamento é tão difícil.
A gente, no Acre, resiste sim a tudo que é novo, de fora, desconhecido. Primeiro é por uma tendência natural e espontânea a viver e promover resistências, embates, empates, briga, guerra, revolução, qualquer coisa do tipo. Segundo, é uma tendência, também natural e espontânea, a promover o que há de mais caseiro, a entrega ao isolamento, pequeno, tímido, miúdo e certeiro. Deve haver algo de antropológico nisso. Consegui visualizar origens antigas, os primórdios, lá na floresta onde nunca estive. Me falta escuta para contar este lado da história. Sei é que crescemos e fomos criados assim: ora na fuga, ora no enfrentamento.
A gente, do Acre, apressa pedindo: “cuida”; a gente manifesta carinho dando beliscão, trincando dente e apertando o beiço no ato de “reinar”. O abraço aqui é quente, longo, suado. Por vezes, venenoso. Os muros são baixos e a vida política e profissional é de quintal. As pessoas precisam, antes, estar bem com elas mesmas, para, depois, lidar com o mundo afora. Tudo é personificado, pessoalizado, individual. Haja coração. “O que não mata, fortalece”, diz um irmão meu.
É por essas e outras que preciso, constantemente, da minha dose de Acre. Pois quem é capaz de suportar e encarar o Acre é capaz de viver qualquer coisa. Marrapaiz.
ps: a foto era pra ter sido uma que aparece uma catraia atravessando...
Um comentário:
Me lembrei muito de lá! "Marrapaiz" é clássico, "ó"!
Postar um comentário