Da série: dedique uma canção a quem você ama.
Bianca tomou drogas. Daquelas que se compram na drogaria da esquina, junto com leite e balas de canela. Não que ela tivesse insônia. Apenas não queria correr algum risco. Queria pular aquele domingo e passar do sábado direto para segunda-feira. Foi quando resolveu substituir a dor, o pânico e o desespero por uma aventura nem tão desastrosa. Lembrou da grana no banco e resolveu ouvir aquela música do Chico mais uma vez e rodar pela sala. E então, encontrou, quase esquecido, um livro de poesia do Fernando Pessoa, lido e rabiscado pela metade. “Eu descobri um anjo negro”, concluiu. Bianca tomou drogas e nem precisou das horas a mais no banheiro. Não que devesse repetir o xampu no cabelo. Apenas não queria sentir perdendo-se no abismo dos seus pesadelos clandestinos. Bianca se sentiu leve. Não porque andou de bicicleta, saltou de pára-quedas ou reparou no vermelho do céu quando amanhece. Apenas, porque superou o medo do não-calar-se. Bianca tomou drogas e se lembrou de Andréa, dos cabelos encaracolados e talento para o vôlei; se lembrou do tiro na boca; do fogo pelo corpo; e do corpo caindo num trânsito noturno, em pleno Rio de Janeiro. Bianca pensou em Letícia e se deu conta de como a vida é leve, pluma, algodão; e esboçou poesia inspirada na peça do Espanca!, que perguntava qual seria o contrário de vida. “Era isso mesmo?”. Tinha dúvidas, mas não carregava nem ódio nem nada. Bianca resolveu ligar para Natália e perguntar a receita daquele bolo de chocolate feito no liquidificador. Não que tivesse fome ou curiosidade, mas carregava a sede de algo que não sabia o nome. “Já quis comer algo que não existe?”. Lembrou do pavor de borboletas, de falar em público, de pedir favores ou ajuda. Foi depois da meia-noite, de um julho tenebroso, que Bianca renasceu meio da insônia, meio da esperança. Bianca era acusada ingenuamente de desajustada social, e decidiu que não queria mais lembrar as revistinhas de amor-romântico das bancas de jornal naquelas esquinas de São Paulo. Por isso, passou a ser Tereza, mesmo continuando com o fetiche por mãos e colecionando cartas anônimas. E Tereza é grande amiga de Albatroz que, décadas depois, viria a ser a vovó Alba.
Quando Juliano me pediu para me inspirar por onde passasse e o enviasse um poema, eu perguntei se tinha certeza: terei uma música? Confessei a minha falta de luz: sobra saudade, falta fantasia. Ele disse que também se sentia assim, e que era disso que nasciam os cantos. Inventei uma mentira e um choro de motivo desconhecido – um dia te explico; - um dia, quando eu entender também. Eu, que por tanto tempo acreditara que Juliano seria gay e, mesmo assim, oferecia-lhe meus poemas, de rimas tímidas e sentimento raso, para conquistar suas garotas. E foi num bauzinho de pedra-sabão que combinamos de guardar uma saudade. E quem diria que eu escreveria sobre Juliano, depois de tanto tempo, choro, vela, e dança passinho-para-um-lado-passinho-para-o-outro, em festas regadas a Hi-fi genérico e DJ meia-boca. Juliano seria do tipo para guardar a foto e esquecer o nome. Mas eu lembraria o seu endereço. Talvez, Juliano devesse tomar drogas. Sei, é que ele foi para o mar e virou peixe...